É tanta a confiança que o universo John Wick conquistou como referência no cinema de ação, que Bailarina se dá ao luxo de, ao mesmo tempo, depender e se afastar da presença de Keanu Reeves. Ana de Armas assume aqui o papel mais exigente fisicamente da sua carreira: um desafio não só de preparo físico, mas também de presença, porque o filme funciona como uma vitrine onde o corpo da atriz (pequeno, ágil, resistente) precisa convencer como máquina de combate. E olha… ela convence.

Muito disso é mérito do diretor Len Wiseman, que já tinha aprendido, com anos dirigindo a franquia Anjos da Noite, como transformar mulheres aparentemente frágeis em protagonistas de cenas de ação cheias de impacto. Aqui, ele repete o truque: coloca Ana de Armas em sequências que equilibram bem o que é crível e o que é puro espetáculo. Mesmo quando a coreografia força um pouco, o filme nunca perde a noção de que, nesse universo, dobrar as regras é basicamente a única regra que importa.
Não por acaso, Bailarina já começa com uma baita cena de ação, deixando claro: sim, ainda estamos no universo John Wick, onde a violência funciona quase como uma dança. A câmera respeita os movimentos, a montagem não atropela, e cada golpe é encenado com aquele cuidado visual que já virou marca registrada da franquia.

A história, por outro lado, não esconde seu clichê: uma vingança motivada pela morte do pai. Mais básico, impossível. Mas, como aprendemos com John Wick, o que importa não é tanto o “por que”, mas o “como”. E nesse “como”, o filme manda bem, com cenas de ação fortes e uma protagonista que segura as pontas.
O problema aparece quando tentam complicar demais. O roteiro de Shay Hatten apresenta uma subtrama que parece promissora, mas que, lá pelo final, é simplesmente jogada fora. Dá aquela sensação de uma boa ideia desperdiçada, com preguiça pra desenvolver direito. No fim, fica como um daqueles tiros que saem pela culatra.
Pra quem esperava ver mais de Norman Reedus, seu personagem é bem pouco explorado. Ainda assim, serve como um contraponto interessante para o arco da nossa protagonista. O elenco, aliás, é um desfile de rostos conhecidos: Anjelica Huston, Gabriel Byrne, Lance Reddick, Catalina Sandino Moreno, Ian McShane e, claro, Keanu Reeves. Só que aí tem um dilema: a presença do Keanu reforça a ligação com a franquia, mas também acaba tirando um pouco do brilho que poderia ser só da Ana de Armas. Ela provou que consegue segurar um filme desses sozinha, mas talvez não tenham confiado totalmente nisso.

A trilha sonora também não traz muita novidade. É aquele som que já estamos acostumados, meio eletrônico, meio sombrio, bem a cara da franquia. Funciona, mas não surpreende.
Agora, o que ninguém pode ignorar é a confusão que rolou nos bastidores. Tem muita gente dizendo que o diretor Chad Stahelski (sim, o mesmo dos quatro John Wick) precisou refilmar boa parte do filme depois que as exibições-teste não agradaram. O estúdio Lionsgate e os diretores não confirmaram nada oficialmente, mas o boato faz sentido, especialmente considerando que o lançamento foi adiado por mais de um ano.
Mesmo assim, não dá pra negar que o filme tem seus méritos. A direção de ação do Wiseman é precisa, bem planejada, e Ana de Armas entrega uma performance física de respeito — menos na fala, mais no movimento, seguindo a tradição do Keanu, mas com uma vulnerabilidade que é só dela.

No fim das contas, Bailarina não reinventa o gênero, e nem precisa. Faz bem o que se propõe: entrega ação coreografada de qualidade, estiliza a violência, reforça a mitologia do universo de Jhon Wick e mostra que, quando bem executado, o cinema de ação ainda é mais sobre o que a gente vê e sente do que sobre o que a gente entende ou explica.