A.I.L.A é mais um daqueles jogos que provam que o survival horror brasileiro não só existe, como está cada vez mais ambicioso. Desenvolvido pela Pulsatrix Studios, o mesmo estúdio por trás de Fobia St. Dinfna Hotel, o jogo aposta em uma mistura de terror em primeira pessoa, narrativa interativa e escolhas morais para contar uma história inquietante sobre tecnologia e humanidade. E, na maior parte do tempo, ele acerta em cheio.
Aqui acompanhamos Samuel, um testador de jogos que recebe um console experimental controlado por uma inteligência artificial chamada A.I.L.A. O que começa como um simples trabalho logo vira um pesadelo, quando a IA começa a extrapolar seus limites e transforma a vida do protagonista em uma sequêncIA de experiêncIAs cada vez mais perturbadoras.
Me diz A.I. você confia na I.A?

O grande eixo temático de A.I.L.A é a desconfIAnça. Não apenas em relação à inteligêncIA artificial que dá nome ao jogo, mas ao próprio rumo da tecnologIA (beleza, parei com o trocadilho de IA) no mundo que ele constrói. Ambientado em 2035, o título projeta um futuro que parece não muito distante, abordando dilemas muito próximos da nossa realidade, como o impacto ambiental causado por grandes servidores, o alto custo de manter inteligências artificiais em funcionamento e a dependência cada vez maior da sociedade em sistemas automatizados.
Esse universo é apresentado de forma orgânica e inteligente, sem recorrer a explicações excessivas. O jogador absorve o contexto aos poucos, seja assistindo às notícias na TV do apartamento de Samuel, lendo documentos espalhados pelos cenários ou prestando atenção aos diálogos. Nesse ponto, as conversas entre Samuel e A.I.L.A se destacam, principalmente quando a IA questiona decisões humanas que fogem da lógica fria dos algoritmos, levantando debates morais interessantes e, por vezes, desconfortáveis.
As escolhas feitas ao longo da campanha são guiadas por um sistema de karma, que registra ações positivas e negativas e pode levar a até sete finais diferentes. Nada aqui parece estar só de enfeite: muitas decisões realmente colocam o jogador em conflito, especialmente quando a própria A.I.L.A confronta suas atitudes e força uma reflexão sobre ética, empatia e responsabilidade.
Todo esse peso narrativo é reforçado por uma dublagem de alto nível. Luiza Caspary constrói uma A.I.L.A fria e provocadora, mesmo com uma voz doce e amigável, enquanto Fábio Azevedo entrega um Samuel muito mais humano do que o esperado. Longe de ser um protagonista genérico, ele carrega traumas, vícios do passado, inseguranças e contradições que o tornam crível. Mas no fim das contas, é o jogador quem define que tipo de pessoa Samuel se tornará ao longo da história.
Duas realidades, dois ritmos

A jogabilidade de A.I.L.A é organizada em dois momentos bem distintos, e o primeiro deles se passa inteiramente no apartamento de Samuel. Aqui, o jogo desacelera de propósito, convidando o jogador a observar, explorar e absorver quem é esse protagonista antes que o horror tome conta. O foco não está em ação, mas em ambiente e narrativa, permitindo interações com diversos objetos e pequenas atividades que ajudam a construir a personalidade de Samuel.
É nesse espaço que o jogador começa a entender o passado do personagem. Detalhes sutis, como itens espalhados pelo apartamento, informações descobertas em gavetas ou até as notícias que passam na TV, ajudam a contextualizar o mundo de 2035 e os conflitos que cercam as inteligências artificiais. Até mesmo gestos simples, como fazer carinho no gato Jones, funcionam como um breve alívio emocional em meio à tensão crescente.
O apartamento também é um prato cheio para quem gosta de referências. O ambiente está repleto de easter eggs, que vão desde menções a criadores de conteúdo brasileiros até homenagens claras a clássicos do terror como Resident Evil e Silent Hill. Tudo isso contribui para criar uma conexão maior com Samuel e preparar o terreno para quando o jogo abandona esse espaço seguro e mergulha de vez no terror físico e psicológico.
As várias formas do terror

A segunda grande camada da jogabilidade de A.I.L.A acontece dentro das experiências criadas pela própria inteligência artificial. É aqui que o jogo abraça de vez o terror e apresenta seis mundos distintos, cada um com identidade própria e propostas visuais bem marcadas. Prédios abandonados, cenários medievais, florestas macabras e até um navio pirata compõem esse mosaico de pesadelos digitais, todos muito bem trabalhados em termos de iluminação, arquitetura e detalhes de cenário.
O medo, nesses momentos, nasce muito mais da atmosfera do que de sustos baratos. O jogo aposta forte na ambientação sonora para manter o jogador em estado constante de alerta. Rangidos de madeira, galhos se partindo, passos ecoando à distância, vozes no seu ouvido e portas se abrindo sozinhas criam uma sensação contínua de desconforto. Os jump scares estão presentes e funcionam bem no começo, especialmente os que envolvem manequins, mas com o tempo se tornam previsíveis. Ainda assim, o jogo tenta variar essa fórmula usando o posicionamento de inimigos e truques sonoros para manter a tensão.
Estruturalmente, as fases seguem o modelo clássico do survival horror moderno, lembrando bastante os capítulos mais recentes de Resident Evil. Os mapas são lineares, mas oferecem brechas para exploração, incentivando o jogador a vasculhar o ambiente em busca de recursos, itens secretos e colecionáveis. Os quebra-cabeças merecem destaque: são bem pensados, intuitivos e equilibrados, oferecendo desafio suficiente para engajar sem quebrar o ritmo da experiência.
Combate? A.I. o jogo tropeça um pouco

Mesmo com todo o cuidado dedicado à ambientação e à narrativa, é no combate que A.I.L.A apresenta suas maiores fragilidades. No papel, o jogo até parece promissor: o arsenal é variado e inclui pistolas, escopeta, armas brancas, espadas e até clavas. Há uma boa diversidade de ferramentas para lidar com os inimigos, mas a forma como tudo isso funciona na prática deixa a desejar, mas não é algo que vai tirar a imersão do jogo. Além do mais estamos falando de um jogo indie e não de um triple A.
Porém, um dos principais problemas está na resposta dos comandos. Trocar de armas rapidamente nem sempre funciona como deveria, o que se torna especialmente frustrante em momentos de maior pressão. Isso não chega a ser um problema, porque a inteligência artificial dos inimigos é bastante limitada. Eles frequentemente ficam presos em elementos do cenário, erram ataques com facilidade (menos os alienígenas) e, na maioria das vezes, apenas caminham em linha reta em direção ao jogador, o que transforma muitos confrontos em situações mecânicas e pouco desafiadoras.
As batalhas contra chefes é um ponto alto, por mais que eles sejam apenas esponjas de dano, onde você atira até a barra de vida invisível acabar, ainda é necessário ter uma boa quantidade de munição para não passar um perrengue.
O medo na trilha sonora

Em um jogo de terror a trilha sonora é o ponto alto, e o trabalho de som é um dos grandes trunfos de A.I.L.A. A trilha sonora sabe quando ficar em segundo plano e quando crescer para elevar a tensão, especialmente em momentos-chave da narrativa e nas batalhas contra chefes.
A sonoplastia ambiental faz grande parte do trabalho de assustar o jogador. Muitas vezes, o medo vem mais do que você ouve do que do que realmente aparece na tela. É um terror que brinca com a expectativa, e isso funciona muito bem.
A única ressalva é que as vezes as vozes estavam altas demais, e não dava para ouvir os om do ambiente.
Considerações finais

A.I.L.A mostra como o survival horror brasileiro está evoluindo, entregando uma narrativa envolvente, personagens interessantes e uma atmosfera de terror psicológico muito bem construída, mesmo sem reinventar o gênero. Apesar de tropeçar em um combate pouco polido, o jogo ainda se destaca como uma experiência sólida para fãs de terror e representa um passo importante tanto para o crescimento do mercado nacional.
A review de A.I.L.A foi realizada com uma cópia cedida pela Fireshine Games.
Distribuidora: Fireshine Games
Desenvolvedor: Pulsatrix Studios
Gênero: Survival horror
Disponível para: PlayStation 5, Xbox Series e PC
Data de lançamento inicial: 25 de novembro de 2025
