A review de Hell is Us foi realizada com uma cópia cedida pela Nacon
Hell is Us se apresenta como um jogo de ação e aventura em terceira pessoa que tenta equilibrar dois pilares: o combate corpo a corpo e a exploração em um mundo semiaberto cheio de mistérios. Essa combinação, por si só, não seria novidade, mas o que diferencia o título é a maneira como ele aposta em imersão, narrativa ambiental e uma proposta de mecânicas de um soulslike mais facilitado, menos guias e mais instinto. O resultado é uma experiência instigante com momentos de brilho capazes de marcar o jogador.
Entre a guerra e o sobrenatural

Se a guerra pode ser vista como a forma mais próxima do inferno em nosso mundo, Hell is Us traduz essa ideia de forma magistral ao mostrar que o homem é a fonte de seus próprios demônios. Em meio a um país isolado e devastado por conflitos internos, o protagonista embarca em uma jornada para desvendar segredos de sua própria história, enquanto encara as consequências de uma misteriosa calamidade. O enredo não se limita à ação, abordando temas de identidade, sobrevivência e confronto com as marcas deixadas pela guerra e pelo desconhecido.

O cenário é o grande destaque da experiência, conduzindo tanto a narrativa quanto o estilo de jogo. Enquanto os Sabianos e Palomistas travam uma guerra civil sangrenta, uma força sobrenatural dá origem aos demônios, criaturas imunes à tecnologia bélica moderna. Para enfrentá-las, o jogador precisa recorrer a um misto de recursos, como: drones de reconhecimento que dividem espaço com espadas, machados, martelos e outras armas brancas feitas com material especial. Essa dualidade não só molda o combate, como também reforça a identidade única da obra.
Mais do que pano de fundo, cada local funciona como peça fundamental na construção da narrativa. Florestas envoltas em neblina, ruínas de cidades e vilarejos castigados pela guerra carregam uma atmosfera de melancolia e abandono. Esses ambientes não apenas retratam o impacto dos conflitos, como também contam histórias silenciosas sobre decadência, resistência e perda. Ao explorar esses espaços, o jogador percebe que os cenários são testemunhas vivas da destruição humana, onde o passado e o sobrenatural se entrelaçam em uma experiência imersiva e bastante perturbadora.
Imersão pela exploração

Um dos pontos mais ousados do jogo é a ausência de mapa, bússola ou marcadores de missão. Ao contrário do padrão dos mundos abertos cheios de ícones e setas, Hell is Us força o jogador a usar seus instintos e observar o ambiente para encontrar pistas. Um documento pode revelar a senha de um cofre; um áudio pode dar a chave para um puzzle; até mesmo objetos aparentemente banais carregam histórias.
Essa escolha aumenta a imersão, mas também pode funcionar como uma faca de dois gumes. Por um lado, é refrescante se perder de verdade em um jogo, sem guias artificiais. Por outro, a falta de objetivos claros pode frustrar em alguns momentos. Nem sempre o design consegue equilibrar essa liberdade com clareza, e alguns jogadores podem sentir que a experiência beira o “estar perdido de propósito”.
Além disso, a ausência de mapa gera uma contradição curiosa: o mundo apresenta drones e aparelhos tecnológicos, mas não oferece sequer um mapa de papel utilizável para as áreas abertas? A decisão faz sentido como conceito de design, mas pode soar artificial frente ao contexto narrativo do game. Mas admito, achar as contas por conta própria, seguindo o instinto é algo reconpensador.
O horror humano e o sobrenatural

Vamos ser honestos, a história da campanha principal não prende tanto, muitas vezes é pouco envolvente e até secundária em relação às missões opcionais onde podemos ajudar os NPCs vítimas das guerras ou dos demônios. Tanto que mal lembro o nome do protagonista, embora eu goste do visual dele. Mas voltando, cada interação com os NPCs é carregada de peso emocional. Ajudar ou não ajudar pode não render recompensas significativas de gameplay, mas há uma certa ética que faz cada decisão parecer necessária.
Alguns momentos são particularmente fortes: encontrar uma carta ao lado de um cadáver que fala de uma vida antes da guerra, ou devolver um par de sapatos vermelhos a uma pessoa que já não existe mais. São situações pequenas, mas que comunicam o impacto devastador do conflito com mais força do que cutscenes grandiosas e um coral épico.
Falando em coral épico, a trilha sonora não tem nada disso, até porque não convém. Aqui ela contribui para o peso melancólico e depressivo que o game quer passar. Composta majoritariamente por sintetizadores sombrios, inspirados no synthwave analógico, a música mistura melancolia e horror. Como o jogo se passa nos anos 90, essa escolha estilística reforça o clima, tornando cada exploração ou combate mais denso.
Um soulslike diferente!

Quando chega a hora de lutar, Hell is Us aposta em um sistema simples. Os ataques se resumem a golpes rápidos ou um ataque carregado, sem combos elaborados. É o “feijão com arroz” da ação: funcional, mas não é inovador. O que evita a monotonia e repetição são as habilidades especiais das armas e do drone, que oferecem possibilidades estratégicas interesantes e podem ser decisivas em batalhas mais intensas.
E não, o título é apenas um click bait (desculpe). Normalmente o soulslike não faz parte da dificuldade normal do jogo, eu diria que é presente apenas em sua estética depressiva. Pois a morte não é punitiva, já que você não perde seus itens, os combates não são tão difíceis depois de pegar o jeito, e não existem as tais “bonfire” para descansar, apenas locais de save rápido e é pra lá que você volta na hora do respawn. E o “Normalmente” lá em cima é proposital, já que o jogo permite configurar a dificuldade, aí você tem liberdade de colocar como quiser.
Os inimigos, por sua vez, têm designs que beiram o perturbador. Embora simples, suas formas distorcidas geram estranhamento e cumprem bem o papel de monstros sobrenaturais. A questão é que a variedade é baixa: depois de algumas horas, o jogador já terá enfrentado quase todos os tipos disponíveis, o que diminui a tensão e a sensação de descoberta.
No ferreiro, é possível melhorar armas, imbuir equipamentos e adquirir consumíveis. Esse sistema funciona como um incentivo para experimentar diferentes combinações, embora, na prática, escolher duas armas favoritas sejam suficientes para atravessar quase todo o jogo.
Uma exploração imperfeita

O sistema de navegação é um ponto controverso. Visualmente estiloso (lembrando até o Pip-Boy de Fallout) , ele impressiona à primeira vista, mas é confuso e pouco intuitivo. É fácil se perder no começo enquanto precisa entender o que deve fazer em sua missão, equipar itens, até entender como interpretar suas informações.
Além disso, há alguns problemas de level design ligadas à mobilidade. Vamos lá, em diversas situações, o jogo impede o personagem de pular obstáculos pequenos, obrigando o jogador a dar voltas desnecessárias. Esse tipo de limitação artificial quebra a imersão totalmente e de forma forçada.
Considerações finais

Hell is Us não é um jogo de ação convencional: ele pode frustrar quem espera combates frenéticos e um enredo direto, mas conquista aqueles que valorizam atmosferas densas, exploração intuitiva e narrativas contadas pelos cenários ou conversas sutís com personagens secundários. O jogo mostra que mais do que enfrentar monstros sobrenaturais, a verdadeira batalha está contra os horrores humanos e seus ciclos de violência, uma experiência que poderia ser mais polida, mas mesmo assim profundamente memorável.
Distribuidora: Nacon
Desenvolvedor: Rogue Factor
Gênero: Ação, exploração, suspense
Disponível para: PlayStation 5, Xbox Series X/S e PC
Data de lançamento inicial: 4 de setembro de 2025
