Antes de Dispatch os jogos episódicos pareciam ter desaparecido com o fechamento da lendária Telltale Games em 2018. Durante os anos 2010, o estúdio californiano revolucionou o gênero com títulos como The Walking Dead e The Wolf Among Us, transformando escolhas morais e narrativas profundas em uma experiência interativa inesquecível. Agora, sete anos depois, o vazio deixado por ela finalmente foi preenchido.
Dispatch, desenvolvido pela AdHoc Studio (formada por ex-integrantes da Telltale, além de veteranos da Ubisoft e da Night School Studio), surge como um legítimo herdeiro desse legado. A proposta é ousada: misturar humor ácido, super-heróis e dilemas humanos em um formato episódico que parece saído direto de uma série animada adulta da HBO. E o resultado é, surpreendentemente, um dos jogos narrativos mais inteligentes e cativantes de 2025.
Despachando heróis

Em Dispatch, acompanhamos Robert Robertson, um herói cínico e amargurado dublado por Aaron Paul (Breaking Bad). Após perder seu traje tecnológico, o lendário Mecha Man, em uma batalha desastrosa, ele é forçado a aceitar um novo emprego: trabalhar como operador em um centro de despachos de heróis, coordenando missões e tentando manter a ordem entre os membros da indisciplinada Equipe Z, formada por vilões em reabilitação.

A trama se destaca por abordar temas como redenção, identidade e ego de forma divertida e emocionalmente honesta. O roteiro é repleto de diálogos afiados, humor sarcástico e momentos genuinamente tocantes. Cada personagem, de um golem introspectivo a uma heroína invisível cheia de atitude, é escrito com tanta naturalidade que é fácil esquecer que estamos jogando um game e não assistindo a uma série animada.
A dublagem é outro ponto altíssimo. Além de Aaron Paul, o elenco inclui nomes de peso como Jeffrey Wright, Laura Bailey, Travis Willingham e Erin Yvette, todos entregando performances dignas de cinema. Mesmo assim, uma dublagem em português do Brasil faz falta, pois muitas vezes tem vários personagens falando e a legenda fica perdida na tela.
Jogabilidade e narrativa

Diferente dos jogos da antiga Telltale, Dispatch aposta em um sistema híbrido que une gestão de recursos e decisões narrativas. Durante o expediente de Robert, o jogador deve analisar chamados e despachar heróis de acordo com suas habilidades, força, agilidade, carisma ou inteligência. Mandar o personagem errado pode gerar falhas, ferimentos ou até desentendimentos internos.
Com o passar dos episódios, o sistema evolui com novos tipos de chamados, minigames de hackeamento aparecem e as personalidades dos heróis começam a influenciar diretamente o sucesso das missões. Há até momentos em que eles se recusam a obedecer, dependendo das suas escolhas anteriores. Essa camada estratégica adiciona ritmo ao jogo, tornando cada turno único e recompensador.
Estilo cinematográfico

Visualmente, Dispatch impressiona. As animações são suaves, expressivas e cheias de estilo, com um acabamento superior ao de muitas séries animadas de TV. O jogo parece um híbrido entre Invencível e Archer, mas sem apelar para a violência ou nudez. Trazendo uma direção de arte vibrante e cinematográfica.
A trilha sonora acompanha bem o tom da história, alternando entre faixas cômicas, dramáticas e heroicas. Já o roteiro, o verdadeiro coração da experiência, é impecável, misturando humor adulto, drama e crítica social em doses certeiras. É raro encontrar um jogo que equilibre piadas inteligentes, palavrões e momentos de introspecção tão bem quanto este.
Se há um ponto que poderia ser aprimorado, é a falta de QTEs (quick-time events) ou cenas mais interativas durante os momentos de ação. Esses trechos poderiam reforçar ainda mais a imersão e colocar o jogador dentro das batalhas. Mesmo assim, a narrativa e o carisma dos personagens compensam qualquer ausência de dinamismo.
Uma grande surpresa

Em um mercado dominado por blockbusters e mundos abertos, a AdHoc Studio teve a ousadia de apostar em um gênero praticamente esquecido e conseguiu entregar uma das histórias mais bem escritas do ano.
O jogo é divertido, tocante, hilário e, acima de tudo, humano. Ele prova que ainda existe espaço para narrativas inteligentes e personagens tridimensionais em meio a tanta grandiosidade superficial.
Com oito episódios planejados, Dispatch não é apenas um retorno às origens dos jogos narrativos, é a prova de que boas histórias nunca saem de moda.
Considerações Finais

Com Dispatch a AdHoc Studio acerta em cheio ao unir humor afiado, personagens complexos e uma proposta criativa que mistura estratégia e narrativa de forma natural. O resultado é um jogo maduro, divertido e cheio de alma, que equilibra drama e sátira sem perder o ritmo. Mesmo com pequenas limitações de interatividade, Dispatch se destaca como uma das produções mais autênticas e carismáticas de 2025, mostrando que o legado da Telltale não só vive, mas evoluiu.
A review de Dispatch foi realizada com uma cópia cedida pela AdHoc Studio.
Distribuidora: AdHoc Studio
Desenvolvedor: AdHoc Studio
Gênero: História interativa
Disponível para: PlayStation 5 e PC
Data de lançamento inicial: 22 de setembro de 2025
