O Mundo Sombrio de Sabrina: 4ª temporada – Crítica

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CHILLING ADVENTURES OF SABRINA (L to R) KIERNAN SHIPKA as SABRINA and GAVIN LEATHERWOOD as NICK in episode, 213 of CHILLING ADVENTURES OF SABRINA. Cr. DIYAH PERA/NETFLIX © 2020

A quarta e última temporada de O Mundo Sombrio de Sabrina chega à Netflix nesta quinta-feira (31) para colocar um ponto final de forma diferente na história da bruxinha adolescente mais querida dos últimos tempos. Produzida pela Warner Bros. e associada à Berlanti Productions e à Archie Comics, a série de sucesso chega ao seu fim de forma inesperada e acerta em realizar o seu encerramento, por mais que seja decepcionante para alguns fãs. Afinal, nada pior do que um programa de entretenimento que se arrasta e que perde sua essência ao longo do tempo, não é mesmo? Dessa forma, os novos episódios chegam com tudo para trazer referências que fazem os olhos brilhar, um antagonista com origem cósmica desconhecida, um lugar reservado para o empoderamento feminino e muito mais. Prepare-se para grandes emoções nessa virada de ano.

Após a ambição de Faustus Blackwood (Richard Coyle) trazer à tona os deuses mais antigos, conhecidos como os terrores sobrenaturais, descritos pelo renomado escritor H.P. Lovecraft, é deixado bem claro que a quarta parte da série Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) deve combate-los à medida que têm que lidar com a Sabrina Estrela do Amanhã reinando no inferno, o seu coração partido, seus queridos amigos, sua família e a Ordem de Hécate. Apesar de parecer que a protagonista não terá tempo para nada, acontece justamente o contrário. Sabrina, pela primeira vez, não precisa mais se preocupar com o inferno e o Senhor das Trevas (Luke Cook), em viver alguma aventura com o Clube do Medo ou em dar a merecida atenção ao namorado. Desta vez, ela se encontra entediada sem sua vida cotidiana e se dá conta que seus amigos mudaram, o que faz com que ela se sinta sozinha – apesar dela estar rodeada de pessoas que a amam.

Sua solidão também se deve ao fato dela não ter mais Nick (Gavin Leatherwood) ao seu lado e ela enxergar o amor em todos os lugares. Então, Sabrina simplesmente decide curtir a vida de solteira e passa por uma fase de autoconhecimento com uma grande dose de amor próprio. Mas o que ela não esperava era encontrar uma nova melhor amiga, ela mesma em sua versão infernal. É interessante ver como as duas Sabrinas possuem vidas tão distintas e ainda sabendo que seus encontros podem causar inúmeras consequências, elas se apoiam e demonstram o verdadeiro significado de cumplicidade.

Fonte: Netflix/Reprodução

Embora o enredo pareça muito tranquilo a princípio, os terrores sobrenaturais logo surgem para tirar a paz não só dos habitantes de Greendale, mas também dos residentes infernais e celestiais. Criado por Lovecraft, os horrores cósmicos surgem para serem o começo do fim – tanto da trama como da série. Os horrores são descritos como seres superiores que são simplesmente indiferentes à raça humana e que surgem para gerar o caos de formas inimagináveis. Estes seres são conhecidos por distorcerem a realidade e vão muito além da compreensão humana, o que torna o simples medo insignificante quando é comparado pavor causado por estes horrores intergalácticos.

A temporada atual se reinventa ao trazer o existencialismo e o novo estilo de terror à tona, fazendo com que seja interessante ver como ele se mistura à feitiçaria, histórias bíblicas, deuses gregos e até mesmo ao voodoo. Um ponto que se destaca é que as obras do renomado Lovecraft possuem uma enorme dificuldade de serem adaptadas às telas e a série acerta em cheio ao mostrar os terrores sobrenaturais de forma multifacetada, no qual apenas alguns aparecem e outros não, o que atiça a imaginação do telespectador sobre o antagonista.

Além do existencialismo do renomado Lovecraft, grandes filósofos como Camus, Sartre e Kierkegaard são citados na série para ressaltar seus acontecimentos de forma profunda e inteligente, se o expectador estiver atento. O existencialismo de Camus se aplica de forma nítida na escolha das duas Sabrinas, a Spellman e a Estrela do Amanhã, ao possuírem o livre arbítrio de decidir não se fundirem e cada uma ter sua respectiva vida, seja liderando os nove círculos do inferno ou nos corredores do Colégio Baxter. Conforme Camus expõe em “A Queda”, a liberdade se torna pesada demais como uma sentença, assim como mexer com o paradoxo temporal possui graves consequências; já a teoria existencialista de Sartre enfatiza que o ser humano não tem uma essência que o defina, mas que ele é definido e responsável pela forma que vive e pela sua existência. Sendo assim, esta ideia se faz presente não só nas ações cotidianas dos personagens gerais da série, mas recebe destaque nas ações inusitadas de Sabrina e de como ela atua em diferentes dimensões e, também explica de forma filosófica o arco final da série; por último, Kierkegaard enfatiza que para compreender a vida humana, é preciso pensar na própria vida. Dessa forma, a corrente filosófica está relacionada não só no processo de autoconhecimento da bruxinha, mas também na reflexão dos outros personagens em diversos momentos. Além disso, o mesmo se aplica quando é preciso pensar em soluções para combater os terrores sobrenaturais

Já em relação à nova adoração grega da academia, a Ordem de Hécate combate qualquer tipo de misoginia e finalmente ressalta as mulheres no poder e o famoso sagrado feminino. Após o machismo exposto nas últimas temporadas, é lindo ver que a inclusão ganha um lugar especial no enredo e que as bruxas recebem o seu devido valor com uma pitada extra de empoderamento. Não só as bruxas, mas tanto Lilith (Michelle Gomez) tem seu momento de triunfo como Roz (Jaz Sinclair) faz uma descoberta intrigante – apesar de parecer forçado.

Fonte: Netflix/Reprodução

Ah, as referências… As amadas referências são o que não faltam na trama. Alien (1979), A Noviça Rebelde (1965), Operação Cupido (1998) e até a atual Riverdale flerta neste Archieverso. Apesar disso, o que rouba o destaque e atende todas as expectativas do público-alvo é a relação direta com o original e famoso sitcom Sabrina, Aprendiz de Feiticeira (1996), com direito à atuação de Beth Broderick, Caroline Rhea e o icônico Salem – que desta vez fala, relembra seu humor ácido e traz bons ares de nostalgia.

Contudo, apesar da quarta e última temporada possuir elementos sobrenaturais novos, a perda da essência original se torna presente e a forma como estes componentes se misturam em certos momentos não se encaixam da melhor forma – por mais que seja uma série de ficção. Em relação aos adorados personagens, é gostoso assistir como eles amadurecem, se relacionam, tem seu devido crescimento e se unem por um bem maior, dando voz ao altruísmo. Uma pena que alguns personagens, por mais que sejam secundários, tenham pontas soltas, como Judas (Darius Willis) e Judith (Whitney Peak). Também é lamentável visualizar que alguns efeitos especiais se assemelham à filtros de Instagram e que falhas nítidas de gravação poderiam ter sido melhores. Por outro lado, um ponto que se destaca é o fato dos episódios se tornarem interessantes e intensos gradativamente. Por último, O Mundo Sombrio de Sabrina chega ao seu fim de forma poética e com direito à uma despedida honrosa, por mais que seja polêmica e inovadora.