Doutor Sono – Crítica

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É de conhecimento público que Stephen King, autor de O Iluminado (1977), desaprovou a adaptação do filme dirigido e roteirizado por Stanley Kubrick em 1980. Segundo King, ele nunca compreendeu como muitas pessoas reconhecem o longa-metragem como um dos filmes mais aterrorizantes que já viram. Apesar de seu descontentamento sobre a adaptação da obra, há quem diga que o filme de terror é um clássico que deixou sua marca no audiovisual. Dessa forma, Mike Flanagan, diretor de Doutor Sono, teria um enorme desafio e um peso em suas costas: atender as expectativas do mestre do terror, homenagear o primeiro filme, exibir uma sequência sem a perda da identidade e agradar ao público-alvo. Felizmente Flanagan acerta em cheio em todos os requisitos e surpreende com ótimos resultados.

Doutor Sono, uma sequência direta, conta a história de Danny (Roger Dale Floyd) e Wendy Torrance (Alexandra Essoe) após escaparem da aura maligna que pairava sobre o Hotel Overlook e tentam reestruturar suas vidas na Flórida, bem longe das terras geladas. Infelizmente os espíritos do Overlook, incluindo a mulher do quarto 237, ainda estão atrás do brilho de Danny e o atormentam em sua nova casa, até que Dick Hallorann (Carl Lumbly) ressurge como uma espécie de mentor espiritual e orienta Danny a enfrentar seus medos e a trancar as entidades em caixas para que não o aterrorizem mais.

Após alguns anos, Danny, agora reconhecido como Dan em sua vida adulta, vagueia de cidade em cidade tentando encontrar seu lugar no mundo e acaba caindo nos mesmos vícios de seu pai, a bebida. O álcool se torna uma forma de esquecer seus traumas, adormecer suas habilidades psíquicas e ao mesmo tempo uma forma de se identificar com Jack. Entre indas e vindas em novas cidades, Dan pega um ônibus e vai parar em uma pequena cidade chamada Frazier, lugar onde finalmente finca suas raízes. O protagonista consegue um emprego em uma atração turística e posteriormente em um asilo e, também participa de reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Após seu brilho ter sido reprimido pelo vício, ele volta gradualmente para confortar pacientes em seus leitos de morte e é auxiliado por Azzie, um gato que pressente quando alguém está prestes a morrer (história verídica que inspirou Stephen King a dar continuidade ao “O Iluminado”). Dessa forma, Dan é apelidado de Doutor Sono.

Nesse meio-tempo, Abra Stone (Kyliegh Curran), uma menina nascida em 2001, descobre seus fortes poderes psíquicos e passa a brilhar cada vez mais, se tornando a mais nova iluminada. Por meio de suas habilidades, ela cria laços firmes e amigáveis com Dan. Como nem tudo são flores, Abra presencia através de suas habilidades um sequestro e a morte de um menino realizado por participantes do Verdadeiro Nó, um grupo liderado por Rose, a Cartola (Rebecca Ferguston), e formado por iluminados que bebem o medo e comem o sofrimento de outros iluminados em potencial. Em outras palavras, se alimentam do brilho de crianças. Cenas dosadas de horror body marcam o acontecimento. Dessa forma, Abra chama a atenção de Rose, que decide caçá-la para se alimentar de sua grandiosidade e que acaba em uma verdadeira guerra declarada que tem seu desfecho no Hotel Overlook, um final previsível.

Em diversos momentos é visível as referências em relação ao primeiro filme, seja na trilha sonora, em grande planos gerais, em efeitos de transição, paleta de cores ou até mesmo em cenas icônicas de “O Iluminado” que servem para dar sentido à trama, refrescar a mente do expectador e dar um ar de nostalgia. Em algumas cenas são evidenciadas comparações entre os personagens e suas histórias: como no momento em que Dick diz para Dan que seu destino é orientar Abra em relação ao seus poderes psíquicos e se sacrificar para salvá-la, da mesma forma que Dick fez com Dan no primeiro filme; como Dan é dominado pelo álcool e se torna desprezível, assim como Jack; na contratação do novo emprego de Dan e pelo aviso prévio sobre os acontecimentos misteriosos no ambiente de trabalho. Diferentemente de Jack, que ignorou completamente os avisos do entrevistador e decidiu se mudar para o Hotel Overlook mesmo assim. Nesta cena é visível a recriação do mesmo ambiente de contratação do primeiro longa com o bom uso de paredes na cor salmão e uma larga mesa de madeira com o nome do supervisor cravado com seu nome em dourado; Dan no Overlook no momento em que é atingido com um machado por Rose nas escadas e cai rolando escada abaixo, da mesma forma que Wendy atacou a Jack; por último, Dan com seu rosto na porta do banheiro com o estrago feito por seu pai com o machado, cena que relembra o famoso “Here’s Jhonny!“.

Por mais que o novo longa-metragem não seja de fato identificado como terror psicológico, ele satisfaz e cria uma atmosfera nostálgica excelente. Vale ressaltar que o uso de jump scare não tem tanta necessidade e chega a causar estranheza ao chocar com trilhas sonoras instrumentais tradicionais. Mas os efeitos gráficos, além de não serem exagerados, se encaixam muito bem na adaptação.

Contudo, Mike Flanagan consegue fazer uma excelente adaptação tanto do best-seller de King como na continuidade do filme contemporâneo para a atualidade. Inclusive, Stephen salientou que Doutor Sono agradou em tudo o que O Iluminado não conseguiu. Enfim, se você é fã do clássico de terror, recomendo que vá com a mente aberta. Afinal, o espaçamento entre os dois longas é de 39 anos, neste meio tempo o audiovisual e as gerações evoluíram significadamente. De resto, o filme te abraça e surpreende de forma positiva e inesperada.